O que é a autorregulação no autismo e formas práticas e afetuosas de auxiliar as crianças diante de estímulos intensos e sobrecargas emocionais
Para uma criança que está dentro do espectro autista, o mundo pode ser uma experiência sensorial intensa. Sons altos, luzes fortes, cheiros marcantes, mudanças inesperadas na rotina ou até a presença de muitas pessoas podem causar uma reação emocional igualmente intensa.
Essa sensibilidade é uma das partes do Transtorno do Espectro Autista (TEA) e está profundamente relacionada à forma como as crianças que possuem o TEA processam os estímulos presentes em seus espaços de convivência.
Partindo desse princípio é que surge o conceito de autorregulação emocional. Mais do que um termo técnico, ele representa um dos grandes desafios – mas também uma grande oportunidade de cuidado – no desenvolvimento infantil de pessoas autistas.
O que é autorregulação emocional?
Se autorregular significa reconhecer, entender e administrar as próprias emoções de maneira funcional. Para crianças neurotípicas, esse é um processo natural que se desenvolve com o passar do tempo e com o suporte dos membros da família e dos profissionais da educação. No caso de crianças com TEA, esse desenvolvimento pode ser um pouco mais desafiador, exigindo um apoio consistente e estratégias que estejam adaptadas às suas necessidades.
A dificuldade de autorregulação pode se manifestar de diversas maneiras: choros intensos, crises de raiva, recuo ou retração, dificuldade de comunicação ou até mesmo comportamentos repetitivos que funcionam como mecanismos de defesa quando estímulos que causam desconforto acontecem.
Por que a sobrecarga acontece?
As crianças autistas geralmente possuem um limite diferente do neurotípico em relação às sensações. Isso significa que o que é apenas um som de fundo para a maioria das pessoas pode ser percebido como um ruído insuportável para elas. A mesma lógica vale para toques, cheiros, imagens e até emoções. Além disso, a sensação de imprevisibilidade do mundo pode gerar insegurança e potencializar o estresse e as reações emocionais.
A sobrecarga emocional acontece quando a junção desses estímulos ultrapassa a capacidade de processamento da criança, que, sem ferramentas de regulação, entra em crise.
Como ajudar uma criança autista a se regular emocionalmente?
Felizmente, existem estratégias eficazes e cheias de afeto que ajudam a promover a autorregulação em crianças neuroatípicas:
- Crie uma rotina previsível: ambientes organizados e com rotina estruturada reduzem a ansiedade e dão à criança uma sensação de controle sobre o mundo;
- Ofereça pausas nas sensações: reserve espaços silenciosos e acolhedores para que a criança possa se isolar e se recompor depois de situações muito estimulantes;
- Use objetos reguladores: itens como fidget toys, mantas com peso, fones antirruído ou brinquedos sensoriais ajudam a aliviar a tensão e podem ser fundamentais nos momentos de crise;
- Valide os sentimentos da criança: nomear e acolher as emoções ajuda no desenvolvimento da consciência emocional e fortalece o vínculo de confiança com a criança;
- Invista em estratégias visuais: cartazes com expressões faciais, tabelas de rotina ou sinais com significados são recursos poderosos para apoiar a comunicação e prevenir essas sobrecargas;
- Trabalhe a autorregulação aos poucos: com o apoio de profissionais especializados, é possível ensinar, por meio de brincadeiras e atividades, formas da criança reconhecer quando está sobrecarregada e o que pode fazer para se acalmar;
- Evite a superexposição: muitos ambientes com excesso de estímulos (como festas barulhentas, shopping ou locais muito iluminados) devem ser acessados com cuidado, sempre observando os sinais de desconforto da criança.
A importância da solitude e do afeto
Segundo especialistas, o processo de regulação emocional no autismo também está muito associado à maneira como a criança sente a necessidade da solitude e à presença de relações afetivas estáveis.
Em alguns momentos, ela pode precisar de silêncio e isolamento para se recompor; em outros, pode querer o afeto e apoio de alguém de confiança. Ter a liberdade para sentir, sem julgamentos, é uma peça-chave para que ela construa formas saudáveis de lidar com suas emoções.
O papel da família e dos cuidadores
A presença ativa da família é essencial. São os pais, irmãos e cuidadores que, na convivência do dia a dia, aprendem a identificar os sinais de sobrecarga, conhecem os gatilhos da criança e conseguem, com o tempo, antecipar situações de estresse para preveni-las.
O suporte familiar também envolve acolher a própria frustração. É normal se sentir cansado ou perdido diante de uma crise de desregulação. Por isso, o cuidado com a saúde emocional da família também precisa ser uma prioridade nesse processo.
A regulação emocional de uma criança autista não é apenas uma meta almejada pela terapia, é também uma forma de garantir mais qualidade de vida, autonomia e bem-estar.
Com o suporte adequado, empatia e as ferramentas certas, é possível transformar crises em oportunidades de crescimento, e construir para cada criança autista uma relação mais afetiva, respeitosa e funcional com o mundo.