Quando a fala não surge, outras linguagens devem ser desenvolvidas para se expressar com crianças autistas não verbais
A comunicação é a base de qualquer relação humana, pois através dela é possível trocar conhecimentos, resolver conflitos, expressar sentimentos e construir vínculos afetivos. Para muitas famílias, conversar é algo natural e quase automático, mas para aquelas que convivem com uma criança autista não verbal, cada tentativa de conversa e entendimento pode ser um grande desafio. É nesse contexto que surge a Comunicação Alternativa e Aumentativa (CAA), que é, basicamente, um conjunto de recursos, técnicas e ferramentas que podem transformar a forma como pais e filhos se conectam sem utilizar a verbalização.
Mais do que um suporte técnico, a CAA representa inclusão, dignidade e vínculo afetivo. Ao dar voz a crianças que não utilizam a fala, essa estratégia proporciona a possibilidade de que desejos, necessidades e emoções sejam expressos com clareza e eficiência.
O que significa ser não verbal no autismo?
Dentro do Transtorno do Espectro Autista (TEA), existe uma ampla diversidade de perfis comportamentais. Algumas crianças se comunicam verbalmente, mas com dificuldades de interação social; outras têm atraso de fala ou utilizam frases curtas; e há ainda aquelas consideradas não verbais, ou seja, que não desenvolvem a linguagem oral como sua principal forma de comunicação.
Essas crianças geralmente se enquadram nos níveis 2 ou 3 de suporte:
- Nível 2: possuem dificuldades significativas na comunicação, podendo usar algumas palavras ou frases curtas;
- Nível 3: necessitam de apoio muito substancial e contínuo, muitas vezes não desenvolvem fala funcional e dependem de recursos alternativos para conseguir se expressar
É importante lembrar que não verbal não significa ser incapaz de se comunicar, pois a fala é apenas uma das formas de linguagem, e a comunicação alternativa surge exatamente para oferecer outras possibilidades para os autistas e seus familiares.
Como surgiu a comunicação alternativa?
A ideia de criar recursos para apoiar pessoas sem fala funcional surgiu nos anos 50, com foco em pessoas que perderam a habilidade da fala após procedimentos cirúrgicos.
Entre as décadas de 1960 e 1970, o seu uso também foi direcionado a pessoas com outras condições adquiridas ao longo da vida, como esclerose lateral amiotrófica e doença de Parkinson, e condições congênitas como paralisia cerebral, deficiência intelectual e autismo.
Hoje, ela inclui desde recursos simples, como pranchas de figuras, cartões e gestos, até ferramentas tecnológicas mais avançadas, como aplicativos em tablets que “falam” o que a criança seleciona.
Exemplos de recursos da Comunicação Alternativa
Existem diversas possibilidades no seu uso e podem ser adaptadas conforme a idade e necessidade de cada criança:
- PECS (Picture Exchange Communication System): sistema de troca de figuras em que a criança entrega cartões com imagens para expressar o que deseja;
- Pranchas de comunicação: quadros com símbolos ou palavras que podem ser apontados para expressar alguma necessidade, desejo ou emoção;
- Tecnologias digitais: aplicativos em tablets e celulares que funcionam como uma “voz eletrônica” da criança;
- Gestos e sinais: uso de Libras ou gestos adaptados para representar ideias simples.
É importante ressaltar que cada recurso deve ser escolhido com o auxílio de acompanhamento profissional, respeitando o perfil e as preferências da criança.
O impacto para a criança e para a família
Adotar a comunicação alternativa vai muito além de “facilitar a rotina”. Para a criança, ela significa ter o poder de se expressar quando estiver com fome, dor, medo e alegria, reduzindo crises de frustração, melhorando a autoestima e ampliando sua autonomia.
Para as famílias, significa finalmente conseguir ouvir e compreender aquilo que antes ficava somente no silêncio. Após a implementação da técnica com seus filhos autistas, muitos pais relatam maior proximidade, melhor convivência e alívio emocional ao perceber que conseguem conversar com seus filhos de forma efetiva.
Pesquisas apontam que crianças autistas que utilizam CAA apresentam melhor desenvolvimento social e acadêmico, justamente porque conseguem participar de atividades escolares e interagir com seus colegas.
A implementação também possui alguns desafios
Apesar dos diversos benefícios, ainda existem barreiras a serem enfrentadas. Muitas famílias enfrentam a falta de informação, dificuldades financeiras para adquirir recursos tecnológicos ou até resistência de parte da sociedade, que acredita que o uso da CAA atrapalharia o desenvolvimento da fala.
Esse é um mito importante de ser quebrado, pois a comunicação alternativa não substitui a fala, mas a complementa. Estudos mostram que, em muitos casos, o uso da CAA pode até mesmo estimular a fala, já que a criança aprende a associar símbolos e palavras através das técnicas aprendidas.
Outro desafio que surge nesse cenário é a necessidade de treinar a família para uma utilização eficaz da CAA. Não basta a criança ter acesso à ferramenta; é essencial que os pais, irmãos e professores aprendam a utilizá-la no dia a dia para criar certa consistência no seu uso e, por consequência, na comunicação.
A importância do suporte profissional
A comunicação alternativa deve ser acompanhada por especialistas como fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e psicólogos especializados no Transtorno do Espectro Autista. Esses profissionais ajudam a identificar qual é o recurso mais adequado, a treinar a família e a adaptar a ferramenta conforme a evolução da criança.
Um caminho para a inclusão e dignidade
A comunicação alternativa não é apenas uma técnica, mas é também uma forma de garantir que todas as crianças tenham o direito de se expressar em todos os ambientes que frequentam. Para pais de crianças autistas não verbais, ela representa a possibilidade de criar diálogos e estreitar laços, mostrando que cada indivíduo tem muito a dizer, mesmo que não seja de maneira oral.
Além de ser um poderoso recurso clínico, também é uma ferramenta de inclusão social e emocional, fundamental para garantir qualidade de vida e participação dessas crianças na família, na escola e na sociedade.
Quando as famílias incluem esse recurso, não apenas facilitam o dia a dia, mas também oferecem à criança autista não verbal o direito de ser ouvida e compreendida.