Terapias complementares podem ampliar a comunicação, a regulação sensorial e o bem-estar
A busca por terapias que ampliem a qualidade de vida de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) está em crescimento – por famílias, escolas e profissionais.
Além das práticas terapêuticas convencionais (comportamental, fonoaudiologia, ocupacional e intervenções médicas, quando indicadas), há diversas opções de abordagens alternativas que podem oferecer benefícios no desenvolvimento social, comunicativo, emocional e sensorial das crianças autistas.
Entretanto, nem todas as terapias têm o mesmo nível de evidência, por isso é essencial compreender o que existe de comprovações científicas sobre cada método, o que ainda é promissor e quais os riscos associados a cada alternativa.
Princípios básicos antes de considerar terapias complementares
Antes de adotar qualquer terapia alternativa, certas premissas orientam a prática clínica responsável:
- Complementaridade: terapias alternativas devem ser somadas às intervenções convencionais, e não substituídas;
- Avaliação individualizada: o perfil sensorial, comunicativo e comportamental da criança deve sempre guiar a escolha das abordagens;
- Multidisciplinaridade e coordenação: a indicação e o acompanhamento precisam ser integrados na equipe (pediatra, psiquiatra infantil, psicólogo, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, entre outros);
- Evidência e segurança: priorizar intervenções com estudos controlados, documentar efeitos, ajustar dose/tempo e monitorar reações adversas;
- Transparência e consentimento informado: explicar à família os benefícios esperados, as limitações científicas existentes e os possíveis riscos do processo.
Terapias com evidência mais consistente e aplicação prática
Existem abordagens complementares que, na literatura e em revisões científicas, apresentam um suporte relativamente mais robusto para ganhos funcionais quando usadas em conjunto com terapias convencionais.
1. Terapias baseadas em atividades sensoriais (integração sensorial/terapia sensorial)
Muitas crianças com TEA apresentam diferenças no processamento sensorial, tendo uma hiper ou hipo reatividade a elas, e tendo sua rotina, sono e/ou aprendizado prejudicados. Terapias que têm o objetivo de modular esses padrões podem melhorar a auto regulação, a atenção e a tolerância a estímulos.
Este método inclui atividades planejadas (pressão, balanceio, atividades proprioceptivas) aplicadas por terapeuta ocupacional treinado, com objetivos claros de regulação sensorial.
Algumas revisões indicam que, quando a terapia é individualizada e parte de um programa estruturado, existem benefícios notáveis para a auto regulação e participação funcional. A terapia ocupacional com foco sensorial é frequentemente recomendada como complemento, neste caso.
2. Equoterapia (terapia assistida por equinos)
A equoterapia – ou hipoterapia – diz respeito a atividades realizadas com cavalos, com o intuito de exercitar o equilíbrio, fortalecer o tônus muscular, melhorar a postura e a interação social.
Este método é bastante eficiente pois, naturalmente, o movimento rítmico do cavalo estimula o controle postural e a percepção corporal. Além disso, essa terapia pode melhorar as habilidades motoras e, em alguns casos, a comunicação em sociedade e a redução de comportamentos repetitivos.
Esta alternativa pode ser bastante promissora quando faz parte de um programa reabilitador integrado e é aplicado em centros credenciados com uma equipe multidisciplinar, embora possa ter contra indicações em casos de alergias graves, medo extremo ou questões médicas que impeçam a prática segura.
3. Musicoterapia
A música é um estímulo multimodal que facilita a comunicação, o engajamento social e a regulação emocional. Assim como nos outros tipos de terapias alternativas, os ganhos serão maximizados quando feitos com objetivos terapêuticos claros e com sessões estruturadas, que podem ser individuais ou em grupo.
Para que a criança com TEA consiga atingir as metas propostas, as cantigas devem ter ritmos e instrumentos simples que sirvam como meio para promover a interação, ensinar um vocabulário funcional, promover a atenção, melhorar as habilidades sociais e a comunicação verbal.
4. Terapia assistida por outros animais (além da equoterapia)
O contato com outros animais (cães, por exemplo) pode reduzir a ansiedade, incentivar a comunicação, promovendo motivação, empatia, troca social e reforço positivo; útil em contextos de inclusão escolar e terapêutico.
Assim como na equoterapia, a precaução com higiene e segurança é essencial para evitar problemas decorrentes dessa terapia, e deve ser feita com supervisão para um melhor aproveitamento.
5. Fisioterapia aquática / hidroterapia
O ambiente aquático favorece a mobilidade – reduzindo a carga e facilitando movimentos repetidos -, diminui o medo do movimento e possibilita trabalho de força, resistência e postura, além de melhorar a coordenação motora grossa e confiança corporal.
Nesse caso, o uso combinado com fisioterapia convencional potencializa resultados, sendo recomendado para crianças com comprometimento motor associado e é bastante indicado por fisioterapeutas com experiência em neurodesenvolvimento.
6. Intervenções corporais e de movimento (yoga, mindfulness e relaxamento)
Práticas que ensinam autorregulação, respiração e atenção podem reduzir níveis de ansiedade e melhorar o controle comportamental, favorecendo a calmaria, a atenção e redução de respostas reativas.
Técnicas de mindfulness e yoga adaptadas ao nível cognitivo e comunicativo das crianças podem ser integradas por psicoterapeutas e educadores, sendo útil como ferramenta de redução de ansiedade associada.
Abordagens biomédicas complementares
Alguns tratamentos de origem biomédica são procurados pelas famílias como:
1. Suplementação nutricional e ajustes na dieta
Déficits nutricionais, distúrbios gastrointestinais e seletividade alimentar são comuns no TEA, e algumas intervenções nutricionais (suplementos, correção de carências, dieta balanceada) podem melhorar sono, humor e comportamento.
A suplementação promove suporte para corrigir deficiências (vitamina D, ferro quando indicados), mas dietas restritivas (por exemplo, sem glúten/caseína) têm evidência limitada e risco de desnutrição se não monitoradas; portanto, deve haver acompanhamento por nutricionista especializado.
2. Outros tratamentos biomédicos
Terapias como detox/chelation, vitaminas em doses altas sem indicação médica e suplementação indiscriminada não têm suporte robusto e podem ser perigosas. Sempre priorizar avaliações médicas e exames antes de iniciar qualquer intervenção.
Intervenções psicossociais não convencionais
Arteterapia
Promove expressão emocional e comunicação alternativa, favorecendo a simbolização e socialização. Com esta abordagem, é possível obter ganhos em engajamento e expressão, especialmente quando usada com objetivos terapêuticos claros.
Terapias baseadas em tecnologia (apps, realidade virtual, games educativos)
São ferramentas úteis para treino de habilidades sociais, atenção e linguagem. A eficácia depende da qualidade do conteúdo e da integração com objetivos terapêuticos, e mostram um ganho ainda maior quando a tecnologia é usada para reforçar o trabalho clínico.
Riscos, regulamentação e ética
- Risco de substituir tratamentos comprovados: famílias podem atrasar intervenções eficazes ao optar por alternativas isoladas, por isso é sempre importante enfatizar que é um método de complementaridade;
- Falta de padronização: muitas terapias alternativas não possuem protocolos padronizados, então é importante escolher profissionais credenciados;
- Efeitos adversos: desde reações físicas (alergias, quedas na equoterapia) até interações medicamentosas; o monitoramento clínico é obrigatório;
- Custos e acessibilidade: algumas terapias têm custo elevado, portanto, é interessante avaliar o custo-benefício e priorizar intervenções com maior impacto funcional.
Como integrar terapias alternativas a um plano clínico
- Avaliação inicial multidisciplinar: base para definir prioridades (fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicologia, pediatria do desenvolvimento);
- Definição de objetivos funcionais claros: o que se espera melhorar (comunicação funcional, regulação sensorial, habilidades de vida diária);
- Seleção de terapias complementares alinhadas aos objetivos: escolher 1–2 abordagens complementares prioritárias e mensurar o progresso;
- Plano de monitoramento: registros periódicos, escalas padronizadas e reuniões da equipe para ajustes;
- Consentimento e orientação à família: explicar expectativas, evidências e riscos;
- Avaliação de custo-efetividade e sustentabilidade: priorizar terapias que integrem e reforcem ganhos nas intervenções convencionais.
Recomendações práticas para famílias e educadores
- Antes de iniciar, consulte o pediatra do desenvolvimento ou alergista/neuropediatra se houver comorbidades.
- Prefira profissionais com formação específica (terapeuta ocupacional, musicoterapeuta, fisioterapeuta com experiência em neurodesenvolvimento).
- Documente evolução com vídeos e escalas funcionais (por exemplo, frequência de crises, tempo de atenção, número de palavras funcionais desenvolvidas).
- Evite protocolos extremos sem evidência (dietas restritivas sem orientação, terapias invasivas, entre outros).
- Integre a escola: adaptação curricular e treinamento de professores potencializam a eficácia dos métodos
Terapias alternativas oferecem um repertório de ferramentas valiosas para apoiar o desenvolvimento de crianças com TEA, especialmente nas áreas de regulação sensorial, comunicação e participação social.
A força dessas abordagens está na integração cuidadosa com terapias convencionais, na seleção baseada no perfil individual de cada criança e no acompanhamento monitorado por uma equipe multidisciplinar.
Embora algumas intervenções tenham evidência sólida (equoterapia, musicoterapia, programas sensoriais bem estruturados), outras ainda dependem de estudos maiores e controlados.
A prática clínica responsável equilibra a esperança com rigor científico e sempre prioriza a segurança e bem-estar da criança.

