Estar ao ar livre não é apenas lazer: o contato com a natureza pode ser uma ferramenta terapêutica poderosa para crianças autistas
Em diversos estudos desenvolvidos nos últimos anos, algo que pais e educadores já percebiam na prática vem sendo reforçado: o contato com a natureza pode transformar de maneira bastante positiva a vida das crianças.
No caso de crianças autistas, essa relação vai muito além do brincar: ela contribui diretamente para o desenvolvimento social, emocional e sensorial.
Com uma rotina cada vez mais atribulada, com convívios em ambientes fechados e exposição frequente às telas, o acesso a espaços naturais se torna essencial para criar experiências que estimulam o aprendizado e trazem bem-estar. Mas como, na prática, a natureza pode beneficiar uma criança autista?
A natureza é uma reguladora de emoções
De acordo com uma pesquisa publicada na revista britânica Autism Parenting Magazine, o contato frequente com a natureza por crianças autistas auxilia na diminuição de comportamentos repetitivos e melhora a capacidade de focar em atividades simples.
Ambientes naturais têm, comprovadamente, o poder de acalmar o corpo e a mente. Sons como o vento movendo as folhas das árvores, o barulho da água corrente ou o canto dos pássaros reduzem os níveis de estresse e ansiedade. Em crianças autistas, esses estímulos são ainda mais relevantes pois ajudam a regular emoções intensas e proporcionam a sensação de segurança em momentos de crise.
Estímulos sensoriais de forma positiva
Muitas crianças autistas – mas não todas, importante ressaltar – apresentam hipersensibilidade sensorial. Isso significa que elas podem reagir de forma intensa a estímulos como barulhos, luzes e toques ou, ao contrário, não reagirem a eles.
Na natureza, esses estímulos são mais orgânicos e controláveis, permitindo que a criança explore os sentidos sem sobrecarga. É nesse contexto que surgem os jardins sensoriais – espaços planejados com diferentes texturas (areia, grama, pedras), aromas (plantas e flores), sons (água corrente, sinos de vento) e cores que estimulam a interação de maneira segura.
Benefícios sociais e de comunicação
Um dos maiores desafios enfrentados pela maioria das crianças no espectro é a interação social. Atividades ao ar livre criam oportunidades para interações mais espontâneas, tanto com outras crianças, com a família e com os próprios elementos naturais.
Pais, irmãos e colegas também podem participar dessas experiências, fortalecendo vínculos e incentivando a comunicação acerca do que está sendo observado – seja ela verbal ou alternativa (adicionar link do texto sobre comunicação alternativa). No caso de crianças não verbais (geralmente classificadas no nível 3 de suporte do TEA), apontar para elementos da natureza, tocar ou interagir com objetos naturais já se torna uma forma eficaz de expressão.
Alguns benefícios sociais do contato com a natureza incluem:
- Fortalecimento dos vínculos familiares e de amizade;
- Oportunidade de interação em grupo, como em passeios escolares ou atividades ao ar livre no parque;
- Maior confiança para explorar novos ambientes (dentro de limites seguros para as crianças);
- Estímulo ao uso da comunicação alternativa (gestos, trocas de olhares, apontamentos)
A natureza como apoio à aprendizagem e à saúde física
Além dos ganhos obtidos nos campos emocional e social, o contato com a natureza também tem um impacto direto no desenvolvimento cognitivo, pois crianças que passam mais tempo ao ar livre apresentam um maior desempenho na concentração e memória.
A regularidade de atividades físicas, como correr, andar de bicicleta ou simplesmente caminhar no parque, fortalece a coordenação motora, melhora a resistência e evita o sedentarismo e, por consequência, o desenvolvimento precoce de doenças ocasionadas pela falta de movimentação do corpo, como problemas articulares, cardiovasculares, obesidade e diabetes tipo 2.
Muitos dados reforçam a importância do contato com a natureza…
- Crianças passam, em média, menos de 2 horas por dia ao ar livre, segundo dados da National Trust, enquanto podem passar até 6 horas por dia em frente a telas digitais;
- Estudos publicados no Journal of Environmental Psychology mostram que apenas 20 minutos em um ambiente natural já são suficientes para reduzir os níveis de cortisol, o hormônio do estresse;
- Em projetos de inclusão ligados ao contato com a natureza, crianças autistas demonstraram maior engajamento e redução de crises de comportamento
Como incluir a natureza na rotina da criança autista?
Não é necessário o planejamento de longas viagens ou altos investimentos para garantir todos esses benefícios. Com pequenas mudanças, pais e cuidadores podem transformar a rotina da criança:
- Passeios regulares em parques ou praças: mesmo breves caminhadas já promovem estímulos importantes;
- Atividades lúdicas ao ar livre: piqueniques, observar nuvens, brincar com água ou areia;
- Horta caseira: plantar e cuidar de pequenas hortas ensina sobre responsabilidade e estimula diferentes sentidos;
- Exploração guiada: incentive a criança a tocar árvores, cheirar flores ou ouvir os sons da natureza;
- Participação em projetos comunitários: muitas cidades oferecem espaços de interação para crianças em ambientes naturais.
O contato com a natureza é muito mais do que diversão: é um recurso valioso para o desenvolvimento, regulação emocional e fortalecimento dos vínculos afetivos. Para crianças autistas, especialmente, o ambiente natural se torna um espaço de acolhimento, aprendizado e liberdade de imaginação e movimentação.
Em um tempo em que o ser humano se afasta cada vez mais da vida natural, criar oportunidades para que essas crianças se conectem com o mundo lá fora é uma forma de cuidado e inclusão.

